Era uma vez uma menina que adorava bebés. Quando
alguém lhe perguntava:
__ De que é
que tu gostas, minha menina?
Ela respondia:
__ De bebés.
Ou:
__ O que é que tu queres?
__ Ela
respondia:
__ Um bebé.
Se lhe perguntavam em que estava a pensar, respondia:
__ Num bebé. Eu queria um bebé!...
Os adultos passavam a vida a fazer-lhe sempre as
mesmas perguntas, só para ouvirem as mesmas respostas de sempre. E achavam
muita graça à menina e riam-se com as suas tiradas. Mas a menina não percebia onde estava a graça.
Um dia a família foi visitar uns tios da menina, que
viviam muito looooonge, lá para os lados da capital. Esse lugar chamava-se
Lugar de Murches. A casa dos tios tinha um enorme quintal com uma horta. Nos
fins-de semana e depois do trabalho, o tio cultivava tomates, abóboras, uvas,
cebolas e outras coisas. Lá havia uma capoeira, um pombal, e até…vejam lá!
Coelhos. Em casa da avó da menina também havia capoeira com galinhas, mas a avó
da menina não gostava que brincasse com
elas, pois dizia que lhe podiam furar os olhos. E também havia um pombal
grande, que o pai tinha construído, com muitos pombos. Coelhos é que a menina
nunca tinha visto. E ficou ali, muito espantada, a olhar para eles. O tio
percebeu a admiração da menina, e, como gostava muito desta sobrinha, filha da
sua irmã mais nova, tirou da coelheira um coelhinho branco que mais parecia uma
bola de algodão, e colocou-o no colo da menina. A menina estremeceu de contente.
Começou a fazer-lhe festinhas, com toda a delicadeza, a dar-lhe beijinhos, a
falar com ele com toda a ternura. O bichinho aninhou-se no colo da menina.
O tio da menina enterneceu-se, e disse:
__ Olha, olha, o coelho gostou de ti.
A menina não respondeu: abraçou-se ao coelho,
esfregou o rosto no pelo do animal, e só
o deixou voltar para a coelheira, quando o tio lhe explicou que o bichinho já
devia estar com saudades da mãe.
Nos oito dias que ali passaram, a menina só queria
estar junto daquele coelhinho, e o tio satisfez-lhe a vontade.
O grande problema foi na hora de voltar para casa. A
menina agarrou-se ao bicho, e chorava, chorava, chorava.
__ Eu gosto muito dele! E ele também gosta de mim! Eu
não quero ir embora sem o meu Coelhinho!
O tio não conseguiu resistir à tristeza da sobrinha,
e declarou:
__Bom, isto foi um caso de amor à primeira vista.
Pois o coelho é teu, minha joia!
Quando a menina ouviu estas palavras, o seu
contentamento não teve limites. Abraçou o tio com um bracinho, enquanto com o
outro segurava o seu tesouro contra o peito.
O tio arranjou uma caixa de cartão, e fez-lhe uns
furos para o coelhinho poder respirar. A
pequena bem queria fazer a viagem com ele ao colo, mas o pai disse que não, que
ele ia sujar o carro todo. E quando o pai dizia que não, era mesmo não. E a
caixa viajou no porta-bagagens da carrinha. A pequena estava constantemente
empoleirada no banco, sem tirar os olhos da caixa, com medo de que ela pudesse
desaparecer. Naquele tempo ainda ninguém tinha inventado as cadeiras nem os
cintos de segurança nos carros. A viagem era estafante, e ela acabou por
adormecer.
Quando chegaram a casa, onde decidiram colocar o
coelho? No pombal. A menina ainda sugeriu que o queria a dormir na sua cama, mas
o pai disse, meio sério, meio a rir:
__ Tu não sabes o que dizes!
O pombal, além das casinhas para cada casal de
pombos, tinha um espaço muito grande, com rede a toda a volta, para eles poderem
voar, e, por isso, o coelhinho, ocupou uma das casinhas do rés-do-chão que
estava vaga. E ali ficou, em são convívio com os pombos. E a garotinha nunca mais
falou em bebés.
Certo dia, a menina ouviu uma conversa que a deixou
intrigada. O caseiro dizia ao pai que devia dar milho e água ao coelho, para crescer mais depressa e ficar muito saboroso.
O tio tinha-lhe ensinado que os coelhos gostavam de cenouras,
alface, couves, e o Zé da Volta queria dar-lhe milho? Ela sabia muito bem o
que queria dizer saboroso, porque o pai, às vezes, quando estava a comer,
dizia:
__Ó mulher, isto está muito saboroso!
Mulher era como o pai chamava a mãe. E fazia uma cara
de contentamento, por isso, saboroso é uma coisa boa, uma coisa de que se gosta.
A menina achava que o seu Coelhinho já era bastante saboroso, pois ela gostava muito dele, mas, se ainda ia ficar mais saboroso, melhor. Por isso não se espantou, quando o seu Coelhinho começou a ser alimentado com milho e água. Ao princípio, o coelho parecia não gostar muito desta dieta.
A menina achava que o seu Coelhinho já era bastante saboroso, pois ela gostava muito dele, mas, se ainda ia ficar mais saboroso, melhor. Por isso não se espantou, quando o seu Coelhinho começou a ser alimentado com milho e água. Ao princípio, o coelho parecia não gostar muito desta dieta.
__ Olha, Coelhinho, é muito importante! Tens que
comer, para cresceres, e ficares muito saborooooso, sim?__ explicava a menina
com muita meiguice. E acompanhava as explicações fingindo levar o milho à boca
e mastigar.
__Tão saboroso! __dizia.
Parece que ele percebeu, pois acabou por comer e
nunca mais recusou este alimento.
Ela continuava a pegar-lhe ao colo, a fazer-lhe
festinhas, a dar-lhe miminhos e a conversar com ele. Mas cada vez era lhe era mais
difícil pegar nele. Estava tão pesado!
Um dia a menina foi dar com o irmão a correr atrás do
seu Coelhinho, fora do pombal. E disse-lhe:
__Não faças isso! O Coelhinho não gosta! Fica muito
cansado!
__Ora! Quando for para a panela, o cansaço passa-lhe.
__Para a panela?! Ele não vai a lado nenhum sem mim!__ respondeu, ainda sem perceber o alcance das palavras do irmão. Mas as gargalhadas que ele soltou feriram-lhe o coração.
__Também queres ir para a panela?! Em arroz de
cabidela?!
A menina ficou parada, de boca aberta, olhos escancarados, a olhar o irmão. De súbito desatou numa gritaria tão grande, tão grande, que a mãe acudiu.
__O que fizeste à tua irmã?
__Eu? Nada! Só lhe disse a verdade!
A pequena soluçava, sem conseguir falar. A mãe
pegou-lhe ao colo, a tentar confortá-la
__Ele diiiiii….sse…que…o coooo…eeeeee…lhinho vai prá paneeeeee…laaaa…não vai,
pois, não, mamã?
A mãe lançou um olhar furibundo ao filho mais velho.
E, enquanto lhe afagava os cabelos, dizia-lhe:
__Sabes, filhinha, os coelhos são para comer, como as
galinhas…!
__Mas o meu Coelhinho não, pois não, mamã?
__Mas arranjamos outro, sim, meu amor?
__NÃOOOOOOOOOOOOOO! O meu Coelhinho não!
E a menina continuava a soluçar.
__ Pronto, está bem, eu vou falar com o papá, sim?
__Siiiiiiiiim ! O meu Coelhinho não, o meu Coelhinho
não.O
coelho da menina ficou em paz durante algum tempo. Certa manhã, a garota chegou
ao pombal para brincar com o Coelhinho, e ele não estava lá. A mãe então contou-lhe que o Coelhinho adoecera e morrera durante a noite e que o caseiro o levara,
para enterrar na quinta. Ela já vira alguns pombos-bebés mortos, e já sabia
que a morte apaga a dor das pessoas e dos animais. Por isso chorou, com
saudades do Coelhinho. E enquanto as lágrimas iam correndo pela carinha dela,
ela dizia para a mãe:
__Olha, mamã....eu quero... um bebé, sim...?
__Olha, mamã....eu quero... um bebé, sim...?