"Todos os meus versos são um apaixonado desejo de ver claro mesmo nos labirintos da noite."
Eugénio de Andrade

terça-feira, 31 de março de 2015

Calou-se a voz

Calou-se a voz
A voz que do seio da terra
Irrompia
Em golfadas transbordantes
 De silêncios

Calou-se a voz
A voz ora branda, ora brava,
Inquietante e lúcida
Nas noites brancas
Nas madrugadas insones
e translúcidas

Calou-se a voz
A voz que ressoava pelas brenhas
Escusas e obscuras
Onde só o eco a agarimava
No seu seio oblíquo e denso.

Calou-se a voz
A voz que mantinha
Meus saltos suspensos
Sobre os medos

Calou-se a voz
A voz de mãos doces
Que me sustinha
Nos sobressaltos da morte. 

segunda-feira, 30 de março de 2015

Débil coração

Caminha
Na manhã cálida e clara
Pela alameda
Sob a pérgula de lilases.

Vagueiam-lhe
Pelas costas
Os negros cabelos

Brincam-lhe no rosto
Sob a brisa branda
Bailarinas farripas

Transparecem
Sob a camisa de bretanha
Que rasa o chão
E se abre em leque
Rodeando-lhe o compasso
Suas longas pernas

Caminha
Absorta na canção
Que lhe baila nos lábios
Desvela-lhe o sol
Suas doces transparências

Acompanham-lhe
A cadência dos passos suaves
Os seios soltos e ligeiros

Assentam
Sobre o tapete relvado
Alegres os pés
Breves e descalços

Rodeia-lhe
Um bracelete
De campainhas bravas
O pulso
Aconchega
De encontro ao peito
Um braçado silvestre de boninas

Oh! Meu débil coração!
Que por tão efémero
Prazer congeminas
Ser, num ai ligeiro,
Esse inseto
Que pousa prazenteiro

No branco braçado de boninas!