"Todos os meus versos são um apaixonado desejo de ver claro mesmo nos labirintos da noite."
Eugénio de Andrade

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Um lobo desastrado

À beira da floresta, não muito longe do povoado, vivia na sua toca o Lobo Mau com a Dª Loba e os seus filhotes. Sim, sim, esse mesmo…O tal que não consegue tirar da cabeça os três porquinhos… Pois o que acontece é que o Lobo é agora pai de família, cheio de responsabilidades, e todos os dias tem que sair para procurar alimento para a mulher e os lobinhos. Mas a crise também chegou à floresta. A vida não está nada fácil, nada fácil, e agora que a neve cobriu os campos, a caça não aparece assim à mão de semear…Ainda por cima, o Lobo Mau está cada vez mais desastrado, e não consegue levar para casa nada de jeito…Uma vez, ainda não há muito tempo, até ficou preso numa armadilha…Se não fosse a Dora, a mãe dos três porquinhos, a estas horas já ele estaria transformado em picado, a Dª Loba viúva, e os seus filhotes órfãos.…Humilhara-se até mais não, para convencer a Dora a ajudá-lo a libertar-se… Fez um grande choradinho, prometeu que nunca mais iria perseguir os três porquinhos, que ele trazia debaixo de olho há tanto tempo, e que até os iria proteger do ataque dos outros lobos, a ela e aos filhos…O que um pobre lobo tem que fazer para defender a pele…
Os filhos da Dora eram agora uns porquinhos crescidos, rosadinhos, mas muito preguiçosos. Nunca mais se resolviam a ir tratar da vida…
Os seus filhos, os lobinhos, eram ainda muito pequeninos e precisavam de muitos cuidados….Lembrava-se muito bem das palavras da Dona Loba:
__Vê lá se, desta vez, trazes alguma coisa de jeito para comermos! Os pequenos estão esfomeados.
__ Está bem. Está bem!
Não podia falhar. Aproximou-se pé ante pé do galinheiro da quinta do sr. Leonardo. Mas o lavrador estava à sua espera e mandou-lhe uma chumbada. Pelos vistos, estava-se nas tintas para a lei protetora dos animais... O Lobo correu, correu, correu, e só parou lá longe, já fora do alcance da arma do homem. Apalpou-se, a certificar-se de que não lhe faltava nenhum bocado, e lá se acalmou.
Que iria fazer à sua vida? Ele bem via o Lobo Cinzento a rondar a Dona Loba, os olhares cobiçosos que lhe lançava. A tola não percebia que o Lobo Cinzento só sabia afiar as garras, que não lhe serviam para nada, e dizer umas larachas bonitas… Caçar não era com ele… Mas as mulheres, quando lhes dizem palavrinhas doces ao ouvido, perdem a cabeça…
Sentou-se a descansar da correria, quando ouviu:
__Quem tem medo do lobo mau, lobo mau, lobo mau…
Olá!...Escondeu-se atrás de uma moita. E viu passar, em fila indiana, a saltitarem despreocupadamente, três porquinhos. Bem, de porquinhos não tinham nada! Eram uns porcos bem matulões, crescidos, rosadinhos, apetitosos! Afinal a sorte estava do seu lado. Oh não! Oh não! Não! Não! Nãaaaaaaaaao! Eram os filhos da Dora! Não podia comê-los! Tinha prometido! Mas as palavras da dª Loba ecoavam-lhe aos ouvidos:
__Vê lá se, desta vez, trazes comida para casa!
E os lobinhos a gemer de fome, magrinhos, magrinhos…
E o Lobo Cinzento a afiar as unhas, e a cantar loas à Dona Loba…
No final de contas, ele podia sempre desculpar-se e dizer que não sabia que eram os filhos da Dora…estavam tão grandes, desde a última vez que os tinha visto…eles não traziam o bilhete de identidade estampado na testa, pois não?…E quem lhe mandara a ela, acreditar em palavra de lobo? Na cadeia alimentar, os lobos comem os porquinhos… Não se pode fugir à natureza.
Decidiu-se e avançou para eles, cautelosamente. Mas, no momento em que ia deitar as unhas a um deles, tropeçou e…CATRAPUM! aterrou no chão, o focinho enfiado na neve. Os três irmãos desataram a fugir, cada um para o seu canto, numa grande guincharia… O lobo levantou-se, sacudiu o pelo, olhou em volta, não fosse alguém ver a triste figura que acabara de fazer, e disse:
__ Não hão de perder pela demora…Amanhã não me escapam.
Foi então que percebeu onde tinha tropeçado: num caixote de couves que tinha caído da carroça dos produtos que o sr. Leonardo ia todos os dias vender ao mercado. Juntou as couves que estavam espalhadas para dentro do caixote, e disse:
__ Por hoje tenho que convencer a Dª Loba que a comida vegetariana é muito mais saudável!

E voltou para o covil, arrastando penosamente as couves que iriam ser a única coisa que os cinco iriam trincar.