"Todos os meus versos são um apaixonado desejo de ver claro mesmo nos labirintos da noite."
Eugénio de Andrade

terça-feira, 11 de março de 2014

Persiana assassina

J
á lhe tinha dito várias vezes que me não acordasse de manhã, que eu precisava de dormir. “ Porque não dormes de noite, como toda a gente?” Sabem como é, partilhar o quarto com uma miúda muito mais nova do que nós? Apesar de estar a passar férias na casa dela, dormir no quarto dela, respeitinho! Eu adorava aquela prima, a sério! Mas a adoração tem limites. E ela, às vezes, era chata, era mesmo muito chata. Agradavam-me as noitadas, discotecas até quase de manhã. Estava no meu tempo. Era jovem, precisava de me divertir. Mas ela dava-me cabo do juízo. Já não bastavam os meus velhos…
De manhã, quando eu ainda estava no primeiro sono, ouvia a persiana a subir, a subir…Ainda por cima, aquela persiana fazia um estrondo danado…Depois, a claridade irrompia a jorros pelo quarto adentro. Eu ficava irritadíssima, e, com gestos bruscos, para que ela percebesse, tapava a cara com os cobertores, e virava-me para o outro lado, sempre a resmungar. Pois sim! Nada a detinha! Enfiava o gasganete pela janela, e gritava, com a sua voz estrídula, a chamar os gatitos vadios que ela acolhera, e dormiam agora num caixote por cima da garagem:
__Bichinhos, bichinhos, bichinhos! Bichinhos, bichinhos, bichinhos!
E nunca mais se calava. Mas um dia, calou-se de vez. A persiana caiu-lhe de chofre em cima do pescoço, como uma guilhotina! Gostava tanto daquela prima!

Ainda hoje não consigo perceber como é que as fitas das persianas rebentam logo com um puxãozito.