"Todos os meus versos são um apaixonado desejo de ver claro mesmo nos labirintos da noite."
Eugénio de Andrade

domingo, 6 de janeiro de 2013

Prisioneira


Olhava para eles, sentados à volta da mesa. Via-os sorrir, trocarem olhares mais ou menos entendidos, ou até desaprovadores. Media os seus gestos, adivinhava-lhes a direção dos olhares, a impaciência traída na dança inquieta das pernas debaixo das mesas, o nervosismo nascendo no tamborilar dos dedos, ou a confiança latente no recostar lento e largo nas costas das cadeiras…
Prisioneira dentro do muro quase inexpugnável que a vida e a minha própria negligência construiram entre nós, por vezes a minha voz elevava-se exterior a mim própria e à minha vontade, escapava-se por uma qualquer brecha inadvertidamente aberta no muro do silêncio que me envolvia e me protegia. Mas o comentário que então saía, quase como um eco interior, era invariavelmente acolhido ora com intolerante ironia, ora com o condescende comentário de algum dos meus netos:
_ Não sabes de que falas, pois não, avó?
Qualquer palavra estava a mais, falhava o alvo, era desadequada, inoportuna…Deixei de ouvir definitivamente. E de opinar. Encerrei-me cada vez mais na minha surdez protetora, eu, os meus livros, os meus rabiscos e as minhas recordações…Felizmente ainda me resta alguma vista…ainda que tenha que ler com as folhas quase coladas aos olhos. Abençoo os dias de sol, que me permitem errar pelo quintal, com passos lentos e titubeantes, olhando os pássaros, as nuvens no céu, os canteiros adormecidos, as árvores…Mas também os dias de chuva e vento, dormitando à volta da camilha, sonhando com a minha juventude, com os filhos ainda pequenos, quando as minhas palavras ainda se ouviam…
Já só me resta esperar.