Olhava para eles, sentados à volta da mesa. Via-os
sorrir, trocarem olhares mais ou menos entendidos, ou até desaprovadores. Media
os seus gestos, adivinhava-lhes a direção dos olhares, a impaciência traída na
dança inquieta das pernas debaixo das mesas, o nervosismo nascendo no
tamborilar dos dedos, ou a confiança latente no recostar lento e largo nas
costas das cadeiras…
Prisioneira dentro do muro quase inexpugnável que a
vida e a minha própria negligência construiram entre nós, por vezes a minha voz
elevava-se exterior a mim própria e à minha vontade, escapava-se por uma
qualquer brecha inadvertidamente aberta no muro do silêncio que me envolvia e me
protegia. Mas o comentário que então saía, quase como um eco interior, era invariavelmente
acolhido ora com intolerante ironia, ora com o condescende comentário de algum
dos meus netos:
_ Não sabes de que falas, pois não, avó?
Qualquer palavra estava a mais, falhava o alvo, era
desadequada, inoportuna…Deixei de ouvir definitivamente. E de opinar. Encerrei-me
cada vez mais na minha surdez protetora, eu, os meus livros, os meus rabiscos e
as minhas recordações…Felizmente ainda me resta alguma vista…ainda que tenha
que ler com as folhas quase coladas aos olhos. Abençoo os dias de sol, que me
permitem errar pelo quintal, com passos lentos e titubeantes, olhando os
pássaros, as nuvens no céu, os canteiros adormecidos, as árvores…Mas também os
dias de chuva e vento, dormitando à volta da camilha, sonhando com a minha
juventude, com os filhos ainda pequenos, quando as minhas palavras ainda se
ouviam…
Já só me resta esperar.