"Todos os meus versos são um apaixonado desejo de ver claro mesmo nos labirintos da noite."
Eugénio de Andrade

domingo, 6 de maio de 2012

Porquê?!...

Tu…O acordar tardio, a corrida para a praia, a bica e a água gelada no Ginca. Um pouco de praia com a Gilda, o António e o André, que tinham saído mais cedo. As ondas alterosas, o vento que se levanta, o regresso bem cedo a casa, ao contrário do habitual. “Vou aos Açores. Queres vir comigo…?”
Depois a sesta no quarto, o duche partilhado, saboroso, a agradável sensação de te sentir bem. Uma certa amargura no recordar do nosso desencontro, tão desiludidamente realidade…A esperança de que nasça para nós o entendimento…mais uma vez. A alegria infantil por ti manifestada pelo novo corte de cabelo que te dá um ar de garoto, apesar de trintão…
Após o jantar,  a tua visita à cozinha, enquanto lavo a loiça, o teu corpo que me pressiona contra o lava-loiças, a simulação rítmica do amor…Rimos…Estás bem-disposto, e eu agarro-me a essa atmosfera como um náufrago.
A Gilda, O António e o André saem. Da sala, chamas-me para ver televisão…a telenovela. Acabo a louça e sento-me contigo. Momentos depois fartas-te e dizes que vais tomar a bica.
— Também vou!
Ficas irritadiço. Não podes esperar.
— Só vou ali ao café em frente! Já te podias ter arranjado!...Vai assim!
— Vou-me arranjar em cinco minutos.
Enfio um vestido, coloco umas pulseiras. Saímos. Os comentários secos e desagradáveis ao meu aspeto, não se fazem esperar…
— Estavas melhor antes. É a velha história do agradar…Só futilidades…
Calo-me, receosa da borrasca que se adivinha. O meu sexto sentido aconselha-me à calma. A tua boa-disposição evapora-se, e eu, com a sensação do “déjà vécu”, fico num estado de tensão, tentando preparar-me para a maratona de vigília e recriminações que se seguirão.
No café, os comentários velhos de sempre…” galinha,” “puta,” “ estás a olhar para onde?” “…para que olhas para o relógio constantemente? ”, enfim…Declaro a urgente necessidade de ir a casa. Largas-me e partes. Voltarás depois da meia-noite, encharcado em cerveja. Apesar de eu fingir estar a dormir, não escapei…
Ao outro dia, quando chegamos à praia, o André larga os brinquedos e corre a abraçar-me.
— Adoro-te, titi!
A Gilda e o António sorriem-me, e naquele sorriso de desconforto, eu tenho a certeza de que eles sabem.
Não vesti fato-de-banho. Não quero que ninguém veja as pisadelas no meu corpo. Na cara, apenas a minha grande amargura, os olhos que se enchem de água e insistem em fitar o horizonte.
Levanto-me da toalha e dirijo-me ao mar. Vens atrás. Colocas os teus braços por cima dos meus ombros. Caminhas ao meu lado, em silêncio. De súbito, apanhas uma concha do mar, e, a rir e com um ar travesso, coloca-la na palma de uma das minhas mãos, que fechas com a tua mão por cima. E dizes:
 — O meu coração pertence-te. Amo-te. Perdoa-me!
Eu continuo a caminhar, sem nada dizer. Só quero morrer.