"Todos os meus versos são um apaixonado desejo de ver claro mesmo nos labirintos da noite."
Eugénio de Andrade

sábado, 21 de janeiro de 2012

Crise

Chorei. Primeiro, apenas os olhos se me alagaram de água. Aquelas palavras atingiram-me como um soco. Só não me verguei com a dor, porque à nossa volta o átrio estava cheio de alunos. Virei costas e corri para a casa de banho e, aí, deixei que os cordões que sustinham a minha dor, se soltassem. O sofrimento que me atingira era real, profundo, físico, como uma dentada perfurante que se me cravara na carne. Chorei de rajada, sem poder conter os arranques ruidosos dos soluços. E nesse choro, estava contida não apenas a dor incomensurável pelo F., mas também por todos os outros jovens conhecidos e anónimos a quem roubam a esperança. Aqueles que, com o F, já desistiram de procurar, mas por todos aqueles que entram na calha que os levará a pôr fim ao sofrimento por suas próprias mãos. Chorei por mim e por aquela mãe, porque, enquanto eu me comprazia naquele estado de felicidade em que se festeja o aniversário de um ser que gerámos e trouxemos ao mundo, ela debatia-se na dor e estupefacção de se aperceber que o ser que ela gerara, e trouxera ao mundo, o abandonara.
Depois o choro foi de raiva e revolta. Raiva e revolta por todos os políticos neste país que, com um discurso ora miserabilista ora mentiroso, semeiam a confusão e o desespero na nossa juventude. Raiva, revolta e puro asco. Asco pelos políticos que têm um sistema de valores invertido, que dão o exemplo de que a mentira, o roubo, a corrupção, são válidos, quando estão em jogo “ a glória de mandar”, o bem-estar próprio e dos seus compadres. Asco por aqueles políticos que, clara ou implicitamente, incentivam os jovens a emigrar, num discurso no qual entendo estar subjacente a mensagem: emigrem ou matem-se. Asco por aqueles políticos que têm o descaramento de vir apregoar ao povo: “para vós não há nada, acabou-se!” mas continuam a banquetear-se e a pavonear-se com o dinheiro de todos nós. Asco por aqueles políticos que vêm a público degladiar oratórias especializadas a cujo sentido muito poucos têm acesso, iludindo o povo, adormecendo-o com estas canções de embalar, para que ele se mantenha calmo e lhes vá cedendo a legitimidade para continuarem do alto do seu trono a roubá-lo e a enganá-lo. Asco por estes políticos para quem o que interessa, é ganharem os debates que lhes massajarão o ego, em lugar de agirem, actuarem e procurarem verdadeiras soluções para a crise, mesmo que os seus privilégios senhoriais possam ser reduzidos. Asco por aqueles políticos que, depois de terem sido roubados direitos adquiridos ao povo, vêm clamar pela reposição dos seus direitos adquiridos, que foram injustamente beliscados. Asco profundo por aqueles políticos com um auto-conceito de tão suprema superioridade que se permitem arrogar o direito de usufruírem vencimentos escandalosos, quando comparados com o ordenado mínimo nacional, sob o pretexto de que é o vencimento justo para as suas competências e para o cargo que vão desempenhar…E os outros, aqueles a quem nem sequer é dada a possibilidade de mostrarem as suas competências, a quem é negado emprego, porque há muitos que, tendo ultrapassado a idade da reforma, que deviam estar a cuidar e a contar histórias aos netos, estão a ocupar cargos que deviam estar nas mãos de gente jovem? Que pretensiosismo, que arrogância são estes, que lhes permitem pensar não haver ninguém mais jovem capaz de desempenhar tão bem, ou até melhor do que eles, certos cargos? Já assim pensava Salazar. Mas, pelo menos, que se saiba, não enriqueceu à custa de chupar o sangue dos portugueses. Cada vez vejo mais semelhanças entre esta democracia (?) e o regime ditatorial contra o qual tantos nos indignámos e lutámos.
São estes senhores responsáveis pela crise económica, de valores, existencial. São estes senhores promotores de roubos, de desmandos, de suicídios. São estes senhores os ladrões da esperança dos nossos jovens.
No mesmo dia em que festejávamos a vida, na nova casa do meu filho, ali, a poucos metros, o F., seu antigo colega da escola primária, desistia dela, inundado pelo sofrimento, extenuado por caminhar ao encontro de ilusões que, tão rapidamente como as havia seguido, assim desistia delas, por não se encaixarem na sua busca. Extenuado, com o cerco a fechar-se cada vez mais à sua volta, extenuado por não encontrar uma réstia de luz, de futuro, de esperança, no mesmo dia em que festejávamos vinte e cinco anos de vida do meu filho, ali perto, o F. abria os braços à morte, transpunha esse portal, o único que lhe faltava transpor, que sabia ser sem regresso, perseguindo no Universo a paz, a esperança, a felicidade, que este mundo pequeno não teve para lhe dar. 
Que um coro de anjos celestial te receba e te conduza a saborear dos prazeres do Éden, menininho!