"Todos os meus versos são um apaixonado desejo de ver claro mesmo nos labirintos da noite."
Eugénio de Andrade

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Menina Triste

       Através da janela da casa da avó a menina observava os pássaros no telhado em frente. Lá ao fundo erguiam-se as janelas recuadas, e era como se alguém tivesse estendido a partir das janelas de guilhotina, um enorme lençol de telhas de barro castanho enegrecidas pelo tempo, pelo musgo, pelos líquenes e humidade. O telhado estendia-se à sua frente como se fora um terraço ondulado, e estava tão próximo, que parecia à menina poder tocar-lhe, se estendesse os braços. Mas não.
Os passaritos saltitavam, aproximavam-se uns dos outros e coçavam com os seus biquitos, as próprias penas e as dos companheiros. Os gorjeios penetravam a manhã triste, chuvosa e húmida. Impossível dizer qual seria a estação. A menina não sabia.
O café de cevada com pedaços de trigo e boroa migados, arrefecia esquecido em cima da mesa da cozinha forrada a oleado, com quadrados floridos vermelhos e verdes.
A menina não conseguia desviar os olhos dos passaritos.Olhava…olhava…olhava…Uma mágoa desmedida e funda ia alastrando como um nevoeiro adensando-se dentro dela, empurrando-a suavemente para o interior de si …
De repente, estremeceu. Foi como se  por algum tempo se tivessse ausentado dali. Olhou à sua volta. Tudo permanecia na mesma, menos ela. Pelo seu rosto corriam silenciosas lágrimas grossas e salgadas. No peito uma dor como um buraco aberto. A menina, sem saber porquê, sentiu pena de si mesma. E os soluços substituíram as lágrimas silenciosas.


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