"Todos os meus versos são um apaixonado desejo de ver claro mesmo nos labirintos da noite."
Eugénio de Andrade

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Era minha

De mim ninguém faz pouco. Não sou velho, só tenho 72 anos, e ainda faço a minha perninha. Ela era minha. Ao princípio, quando a minha mulher morreu, lavava-me a roupa e cuidava da casa, mas com o tempo, eu é que passei a cuidar dela. Dava-lhe o dinheiro de que ela precisava, para ela e para a miúda. Quando a garota ia para o pai, ela ficava em minha casa. Só ainda não vivíamos juntos, porque ela dizia que a garota era ainda muito nova, precisava de crescer mais um pouco e de se habituar à ideia. Até entendo isso, e não forçava muito. Eu tenho pena da garota. Sei que não devia ter visto o que viu, mas para dizer a verdade, eu também não contava ver o que vi. A mãe dela andou a fazer pouco de mim. A jurar que era eu o único homem na vida dela, e faz-me uma destas…bem que eu andava desconfiado. Ultimamente arranjava sempre desculpas para não dormir comigo, devia andar de barriga cheia…mas a cabra, dizia uma coisa e pensava outra…e a esmifrar-me, era dinheiro para isto e mais aquilo, e eu, verdade seja dita, não tinha coragem para lho negar…ela…ela…sabia como me levar…. A minha família nunca gostou dela. Mas era a minha vida, eu tinha o direito de ser feliz, e eles não tinham nada que se meter.
Eu não tinha intenção…mas quando a vi na cama com o outro, perdi a cabeça. Vi tudo vermelho à minha frente...saí do quarto, e agarrei na primeira coisa que encontrei…Era o machado de cortar a lenha para a lareira, que estava na varanda. Bati, bati, bati…na cabeça dela, até o machado se me escapar da mão… Se ele não tem fugido, comia pela mesma medida…De mim ninguém faz pouco.

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