"Todos os meus versos são um apaixonado desejo de ver claro mesmo nos labirintos da noite."
Eugénio de Andrade

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Cabelo e alma vermelhos



Hoje pintei o cabelo. De vermelho. Púrpura. Não, não ficou tão agressivo como a cor púrpura poderia deixar adivinhar. Sou morena, o meu cabelo é castanho-escuro, por isso ficou assim um tom castanho com reflexos vermelhos bastante pronunciados.Cor de vinho escuro. Ao princípio pareceu-me que não ficaria nada de jeito. Mas agora gosto, e muito. Mas acho que não é para manter durante muito tempo. Ando à procura de um tom que me convença, e não consigo encontrar. O que tinha anteriormente era cor-de-laranja, mas no meu cabelo ficava assim um tom loiro escuro com reflexos laranja. Mas também não é este tom que me agrada. Quero um laranja avermelhado, assim um tom de fogo. Por isso, vou continuar a procurar. Só que desta vez, fiz uma tenda incrível na casa de banho. Ficou tudo sujo de vermelho: roupão, toalhas, pijama…Das outras vezes que tingi o cabelo, não fui tão desastrada, ou melhor: eu tive tanto cuidado como das outras vezes, o resultado é que foi diferente. Quando o Alfredo chegou de S., estava eu ainda com o cabelo todo empastado de vermelho. Já tinha a carne e as batatas a assar no forno, mas estava durante o tempo de espera, até que a tinta actuasse. O Alfredo assustou-se com o vermelho à volta das orelhas, no pescoço, na testa. Quando abri a água para sair a primeira camada de pintura, antes de usar o champô, ofereceu-se para me ajudar. Do cabelo saiu imensa tinta vermelha, parecia que alguém estava a sangrar. Brincou com a situação, mas não consegui libertar-me do vermelho que me tingia a pele.
Desceu para a cozinha e, passado um bocado o nosso filho subia, com um ar malandro, para “gozar”, dizia ele, com a minha cor vermelha. Felizmente a tinta (pelo menos a maior parte), já tinha saído, e ele mostrou-se desiludido por não encontrar motivo para gozar. Enquanto o Alfredo orientava o almoço, eu fui para o terraço e sequei o cabelo à luz do sol. Aí é que eu fui vendo a cor final do cabelo, que se foi revelando à medida que ia secando. E eu ia olhando para o reflexo do vidro da janela, a gostar do que via.
A minha filhota chegou e perguntou-me porque escolhera eu aquela cor horrorosa para pintar o cabelo. O Afonso também se mostrou pouco agradado. O Alfredo não comentou, mas quando o confrontei, disse que gostava. É uma qualidade dele, gostar das coisas diferentes que eu escolho para usar, seja roupa ou cabelo. Tem um espírito mais aberto do que os filhos, principalmente a Sara, que é bastante conservadora. Se ele também não gostasse, paciência. Mas eu gosto, até ver. As minhas unhas e a pele dos dedos têm vestígios da melindrosa operação a que me entreguei. Qualquer investigador dos CSI tiraria conclusões, quiçá precipitadas, do tom avermelhado dos meus dedos e unhas. Isto porque não vi logo as luvas que costumam acompanhar a embalagem de tinta. Até pensei que já não trouxesse luvas. Mas estavam muito bem aconchegadas no panfleto informativo que acompanha a tinta e, como eram transparentes e já vejo mal ao perto, não as reconheci. Por isso misturei as tintas sem as luvas, e só depois fui procurar umas (tenho sempre em casa material de limpeza). Quando já não precisava delas, é que descobri as que vinham na caixa.
Bom, mas isto tudo para dizer que me sinto bem com a minha cabeleira, apesar de não ter sido aprovada pelos meus filhos. Aliás, da parte deles já sei que não posso contar com palavras de encorajamento, seja para o que for, pois a onda deles é sempre do contra. Apesar de serem praticamente adultos, continuam a comportar-se como estando em plena adolescência. Qualquer atitude da minha parte, que seja discordante de algo que eles fazem, ou pensam, é o rastilho para uma enorme discussão ou mal-estar. Mais um pequeno episódio que o comprova, decorreu hoje, durante o almoço.
O arroz estava ao lume, a acabar de cozer.
Estávamos sentados lá fora, aproveitando a temperatura maravilhosa. Tocaram à porta e o Alfredo foi atender. Desligou o fogão. O Afonso já estava a comer, e tinha pedido o arroz. Eu trouxe o arroz para a mesa e pareceu-me que ainda não estaria cozido. Aliás, estava ainda bastante húmido. Como os meus dois filhos estavam já sentados à mesa, servidos de carne e de batatas e aguardavam o arroz, eu tirei uma pontinha de arroz numa colher, e disse:
— Olha, Afonso, prova, vê se já está cozido.
Pareceu-me lógico que lhe desse a provar.
O que eu fui fazer! O meu filho zangou-se comigo, dizendo que não tinha nada que lhe colocar o arroz no prato, que provasse eu, etc., etc., etc.
Enfim! Isto foi o suficiente para me deixar irritada também, porque eu não compreendo como pode ele reagir de uma maneira tão agressiva, por uma situação menor. Resolvi deixar passar, embora a irritação fosse notória aos olhos do meu marido, que entretanto entrou na cozinha, vindo de atender a porta, e reparou no meu estado de espírito. Pouco depois, e já a levantar a mesa, lembrei-me de sugerir à Sara a mudança dos lençóis lá na casa do Porto à 5ª feira, pois podia pedir a uma das amigas que a ajudasse a fazer a cama, e depois seria ela a ajudar a amiga. Não gostou da sugestão e, rispidamente, como se eu a tivesse maltratado, respondeu-me que ela conseguia perfeitamente mudar os lençóis sozinha e que, se ainda o não fizera, foi porque não tivera tempo, e que era melhor que eu a deixasse em paz.
Em paz ando eu durante a semana, com eles fora. Apesar de os aguardar com saudades e gostar que eles venham, quando eles chegam a minha paz de espírito vai-se, o “stress” instala-se, e eu enervo-me profundamente.
Retomei a arrumação da cozinha, enquanto as lágrimas me corriam pela cara. Então, não pôde deixar de me ocorrer que não posso ligar a estes pormenores, porque, em contrapartida, eles são saudáveis, atinados, e eu tenho a família “unida” ao fim-de-semana, um emprego de que gosto, saúde, etc. Mas todos saíram e deixaram-me a arrumar a cozinha. Nenhum perguntou, sequer, se eu precisava de ajuda…
O Alfredo partiu para a aldeia, cortar as ervas lá na casa de campo. A Sara saiu com um velho amigo de infância, e o Afonso declarou que ia ter com o pai. No corredor, amontoava-se a roupa que os meus filhos trouxeram para lavar. Comecei a rezingar. O Afonso foi dizendo que eu estava sempre maldisposta, sempre a barafustar… Retorqui:
— Tens razão, filho, a partir de agora vou deixar de barafustar. Vou agir. Vocês já são crescidos, por isso, se querem a roupa lavada, lavem-na. O meu filho saiu. Eu saí a seguir depois de me arranjar, olhar-me ao espelho, achar que estava maravilhosa…E aqui estou, na esplanada da pastelaria do bairro onde vivo, escrevendo estas linhas.
Sinto-me bem, poderosa, animada. Está um lindo dia e pretendo gozá-lo. Não são os meninos mimados que eu não soube educar no respeito pela mãe, (no que tive a ajuda do pai), que vão estragar-me o dia.
O sol aqui já se está a afastar. Vou para casa, para o meu terraço, apanhar sol, com um bom livro por companhia.
Gracias à la vida!